Na edição de anteontem do Valor, o diretor-geral do ONS criticou as análises da PSR sobre risco de racionamento, publicadas no dia 10 de janeiro. Inicialmente, afirmou que calcular esses riscos durante o período chuvoso seria tecnicamente equivocado, devido a "distorções causadas pelas incertezas [...] das vazões durante o período úmido", as quais levariam a "riscos de déficit [...] exagerados". Esta afirmação do diretor não tem justificativa técnica, pois as medidas de risco são úteis justamente quando há incertezas, e não há qualquer razão estatística para que elas tenham um viés pessimista.
Em seguida, o diretor disse que "o ONS considera previsões climáticas no horizonte de três meses". No entanto, o uso dessas previsões não elimina as incertezas. A razão é que nenhuma previsão "crava" as chuvas que vão ocorrer no futuro, pois o clima é um dos sistemas mais complexos da natureza. Por essa razão, as previsões não têm um único valor, e sim um conjunto de valores que podem ocorrer.
Por exemplo, o relatório do ONS "Previsão de Vazões [...] Revisão da Semana 3" prevê que a afluência no Sudeste para a terceira semana de janeiro seria 105% da média histórica. No entanto, o mesmo documento informa que o resultado real pode variar entre 78% e 131% dessa média. Isso significa que há uma incerteza significativa, de 25% tanto para mais como para menos, com relação ao valor previsto. E isso para um horizonte de apenas uma semana.
Dado que as incertezas aumentam rapidamente para horizontes maiores, a PSR não vê como o ONS pode prescindir de medidas de risco em suas análises de segurança. Ainda nesse tema, o diretor afirma que "nossas análises conduzem a riscos de racionamento praticamente nulos", isto é, um valor muito pequeno, mas não igual a zero. Isso indica que o próprio ONS, de alguma maneira, também utiliza medidas de risco durante o período úmido.
Nos itens 1 e 2 de seu artigo, o diretor questionou a veracidade de duas afirmações da PSR: 1) que 2012 começou com o maior nível de armazenamento dos últimos anos; e 2) que a afluência em 2012 foi 87% da média histórica. No entanto, ambas as afirmações da PSR são verdadeiras e factuais; qualquer um pode reproduzir nossos números utilizando os dados do próprio ONS.
Por alguma razão, o diretor utilizou no artigo valores que não mencionamos: no caso do armazenamento, ele fala do mês de abril de 2012, ao invés de janeiro, que seria o correto; e se refere à chuva em 2012, e não à energia natural afluente, como havíamos dito.
Nos itens 3 a 5 de seu artigo, o diretor criticou o que teriam sido afirmações nossas sobre, por exemplo, a operação do sistema de Itaipu. No entanto, o que a PSR disse é totalmente diferente do que, aparentemente, ele entendeu. O que dissemos foi que, ao tentar simular a operação do sistema em 2012, utilizando os valores reais de vazões, demanda, geração das usinas térmicas e fontes renováveis, chegamos a um nível de armazenamento ao fim do ano bem superior ao que efetivamente ocorreu.
A partir daí, concluímos que: 1) há aspectos da operação da vida real que não estão sendo "capturados" pelos modelos computacionais; e 2) é importante que esses aspectos sejam representados nos modelos, para que as simulações probabilísticas de segurança de suprimento para os próximos anos sejam as mais realistas possíveis.
Para ilustrar a importância dessa calibração dos modelos, mostramos que a diferença entre simulação e realidade era equivalente às hidrelétricas gastarem 11% a mais de água do que o esperado para produzir cada MWh (a "ineficiência" mencionada pelo diretor). No entanto, deixamos bem claro que ainda estávamos investigando quais seriam os verdadeiros fatores que levariam à diferença.
Esses fatores incluem as restrições em Itaipu quando há tempestades; as afluências na região Nordeste (que em 19 dos últimos 20 anos estiveram abaixo da média); os vertimentos nas hidrelétricas quando elas estão vazias (por exemplo, o "Informativo Diário" do ONS, de 18 de outubro, registra que a usina de Furnas verteu, embora tivesse apenas 37,9% de armazenamento); e muitos outros. Finalmente, enfatizamos que a PSR não está questionando as razões que levaram o ONS a operar daquela maneira. Nosso objetivo é ajustar os modelos de simulação a essas razões operativas.
Com isso, chegamos à parte não técnica do artigo do diretor, onde ele procura (des)qualificar a PSR como "palpiteira". Primeiramente, esse comportamento não condiz com todo o passado do diretor, que sempre tratou as divergências técnicas de maneira objetiva e respeitosa.
Além disso, a marca registada da PSR é justamente a análise técnica rigorosa e quantitativa. Se a PSR fosse palpiteira, não estaria atuando em 60 países de todos os continentes, e também não teria sido chamada para contribuir na gerência do racionamento de 2001; na investigação das causas daquele racionamento; na elaboração do novo modelo do setor elétrico; e nas recentes propostas para redução tarifária.
A PSR tem certeza que o atual modelo setorial trouxe grandes benefícios para o país e, por esta razão, procuramos explicá-lo e divulgá-lo no exterior. Adicionalmente, e talvez mais importante, procuramos alertar e criticar quando, em nossa visão, há necessidade de aperfeiçoamentos no setor. Sabemos que este papel crítico traz desgastes - haja vista o motivo deste artigo -, porém estamos convictos de que falar de assuntos desagradáveis, como riscos para a segurança de suprimento, é a melhor maneira de evitar que eles se tornem posteriormente fatos desagradáveis. Mario Veiga é presidente da PSR (Valor Econômico)
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