terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Perspectivas do setor elétrico - a vida após a MP 579

Não há dúvida de que a redução das tarifas de energia elétrica é necessária e que a Medida Provisória 579 alcançará - no curto prazo - esse objetivo. Mas a que preço? 

Desde a promulgação da MP, em 11 de setembro de 2012, muito tem se falado sobre o futuro do setor elétrico. Nesse sentido, é importante a apresentação de premissas indispensáveis para elaboração de um prognóstico. Antes de tudo, a MP 579 alterou substancialmente o modelo legal e institucional do setor, derrubando pilares das regras anteriores, de 2004. Uma das maiores evidências dessa reviravolta é a criação de um novo modo de contratação de energia, alheio aos leilões e ao livre mercado: tratam-se das quotas, para as quais inexiste qualquer concorrência e as tarifas são pré-definidas. 

A redução de caixa das concessionárias acarretará uma provável redução dos investimentos 
A MP também tratou de institucionalizar uma maior intervenção do Estado na atividade privada das elétricas, ao prever, dentre outras coisas, a "cessão" compulsória dos Contratos de Compra de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR). Sem aprofundar no equívoco legal do emprego da expressão "cessão" (que pressupõe a vontade das partes), destaca-se a ingerência sobre o portfólio das concessionárias de distribuição, que contrataram energia por meio de leilões - em estrito atendimento à lei e à regulação - e agora se veem forçadas a "ceder" contratos que poderiam eventualmente ser estratégicos em seus planos de negócio. Ademais, com a alocação de cotas, as distribuidoras passarão a responder pelo risco atrelado à geração (risco hidrológico), o que não deveria a elas ser atribuído segundo a lógica legal até então existente. 

No mercado livre (ou "ACL") os efeitos também foram profundos. Ao alocar a energia gerada pelas usinas prorrogadas exclusivamente no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), a MP 579 reduziu a oferta de energia elétrica no mercado livre e o custo da energia elétrica no ambiente regulado, gerando consequentemente uma pressão também no primeiro. A alteração dos prazos para migração e retorno à distribuidora pelos consumidores especiais (com carga maior ou igual a 500 kW) também trouxe maiores incertezas sobre o desenvolvimento do mercado consumidor no mercado livre. Por outro lado, a Lei de Conversão da MP 579 acabou por trazer disposição há muito pleiteada pelo setor: a possibilidade de os Consumidores Livres e Especiais cederem seus excedentes de energia elétrica, o que constitui uma importante ferramenta de gestão de risco para estes agentes. 

Ainda sobre o impacto no mercado livre, a proibição da comercialização de excedentes pelos concessionários de autoprodução também parece despropositada, sendo que a necessidade de liquidação dos excedentes pelo Preço de Liquidação de Diferenças institucionaliza a exposição de agentes na CCEE, levando a cenário de inadimplência. Claro é que as medidas de mitigação da inadimplência, incluídas na agenda regulatória da Aneel, poderão mitigar esse risco, mas tais normas ainda não entraram em discussão e os efeitos da MP serão sentidos neste ano. 

Outra importante observação refere-se à antecipação dos efeitos da prorrogação, proposta pelo governo federal como condição para a prorrogação. Ainda que a decisão pela prorrogação e a estipulação das condições para tanto caibam exclusivamente ao poder concedente, a antecipação de seus efeitos gera forte redução no fluxo de caixa das concessionárias a partir de janeiro de 2013, o que não era inicialmente vislumbrado por estas companhias. Segundo a lógica trazida pela MP, esta antecipação seria totalmente compensada por meio da indenização pelos ativos não amortizados ou depreciados. No entanto, esse entendimento é contábil, não guardando relação com a lógica econômica que rege as atividades privadas. Para as companhias, a perda da receita referente ao prazo restante do contrato original é muito mais relevante do que a simples "restituição" do saldo não amortizado. 

Lembra-se que o ponto central da MP é a redução do custo da energia elétrica. Não há dúvidas de que a redução dos encargos setoriais e a almejada redução do custo deste insumo são pretensões louváveis. No entanto, resta a dúvida se os fins justificaram os meios no caso concreto, e se tais "fins" seriam permanentes, pois se considerarmos o aumento da percepção de risco dos agentes privados, o preço da energia nos novos projetos tende a subir. 

Além da percepção de risco, outro fator que deve elevar os preços é o próprio padrão de estruturação financeira destes projetos: em via de regra o proponente considera o CCEAR de longo prazo como lastro para o financiamento, sendo que o fluxo de caixa do projeto é majorado com a receita trazida pela venda do excedente de produção no mercado livre. No entanto, essa venda ficará prejudicada - ao menos até que o mercado se ajuste às novas regras do jogo -, sendo certo que os ganhos antes dela provenientes serão alocados nos preços dos CCEAR"s. Soma-se a isso o fato de as estatais, que tradicionalmente entravam nos leilões com preços mais "competitivos", perderão fôlego em razão da submissão às regras de prorrogação. 

Conclui-se então que as perspectivas para o setor sob o aspecto dos agentes privados são neutras, pois todo o impacto negativo ou positivo da MP 579 será considerado quando da formação de preços e exigências de retorno sobre o capital. Por outro lado, não há dúvidas que as oportunidades de investimento seguirão se multiplicando, pois a demanda de energia elétrica permanece em ascensão, sendo certo que a universalização do acesso à energia elétrica e a inclusão social constatada nos últimos anos patrocinam esse fenômeno. 

Para o sistema elétrico como um todo, pode-se dizer que o prognóstico não é o mais favorável, dado que a redução de caixa das concessionárias acarretará uma provável redução dos investimentos (o que poderá impactar na qualidade dos serviços). Ademais, conforme explanado ao longo do presente texto, o custo da energia elétrica (e das tarifas, consequentemente) retornará aos patamares atuais no médio prazo. 

Por fim, claro é que a inusitada assunção pelo Tesouro Nacional em obrigações antes atribuídas, em última instância, aos usuários de energia elétrica é questão disputada. Ao final, os custos dessas medidas serão repassados a todos os contribuintes brasileiros - consumidores de energia elétrica ou não. Rosane Menezes Lohbauer e Rodrigo Machado M. Santos, são sócia e associado do escritório Madrona Hong Mazzuco Brandão - Sociedade de Advogados (Valor Econômico)

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