terça-feira, 28 de outubro de 2014

Dilma precisará de pelo menos dois anos para reorganizar setor elétrico

O setor elétrico passa por um momento delicado. Qualquer um dos candidatos à presidência - Dilma Rousseff ou Aécio Neves - teriam problemas a enfrentar no segmento. Reeleita com 51,64% dos votos válidos, Dilma terá desafios ainda maiores que os de 2014. A presidente terá que torcer para chover e ainda assim terá que lidar com reservatórios em níveis muito baixos. No final deste mês, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste deverão fechar em 18,4% do nível de armazenamento, menor que na época do racionamento. Além disso, a tendência é que as tarifas de energia aumentem consideravelmente, visto os vultuosos empréstimos realizados para cobrir a exposição involuntária das distribuidoras, impactando diretamente na inflação, outro ponto sensível de seu governo. Os preços no mercado de curto prazo deverão continuar altos, pelo menos até 2016, de acordo com especialistas do setor, pressionando principalmente o setor industrial.

Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, aponta que o setor está passando por uma crise real, que é a crise hídrica, associada a uma crise financeira de grandes proporções. Um exemplo disso, segundo ele, é que o setor elétrico teve que contratar o maior empréstimo de capital de giro da história da república brasileira para sanar a dívida das distribuidoras com exposição involuntária. O empréstimo alcançou o valor de R$ 17,8 bilhões. "O setor está passando por uma crise de proporções graves. O governo tem consciência disso. A Dilma já deu sinalização de que vai buscar um consenso, no sentido de resolver essa crise, o que não acontecerá no curto prazo", declarou Castro.

Já Erik Rêgo, consultor da Excelência Energética, diz que o governo não demonstrou de forma clara que vai mexer no setor elétrico. "Não vi nenhuma sinalização de mudança estrutural, mas de mudanças pontuais. Deve continuar com a mesma linha, apagando incêndio e trabalhando mais na consequência do que na causa", declarou. Ele diz que existe o risco de se ter um racionamento no ano que vem e que o Preço de Liquidação de Diferenças provavelmente continuará no teto.

Ele avalia que preços altos durante um período longo de tempo - começou em 2013 e deverá perdurar pelo menos até 2016 - prejudica a indústria que está no mercado livre, que normalmente fecha contratos de quatro a cinco anos e que precisará renová-los. "Quando se tem efeitos muito longos de preços altos, a indústria que estiver no mercado livre enfrentará um cenário bastante ruim. Elas podem optar por produzir menos, porque a energia vai estar cara, e as que tiverem autoprodução podem até optar por vender a sua energia. Isso lhes garantiria, em muitos casos, mais dinheiro do que o próprio negócio", afirma Rêgo. Ele diz ainda que uma eventual redução na produção devido ao custo da energia impacta diretamente na economia do país.

O passivo financeiro acumulado no setor e que começará a ser repassado na tarifa em 2015 preocupa João Mello, presidente da Thymos Energia. Para ele é preciso sentar, chamar os especialistas à mesa e rever o setor. "Acho que a presidente vai ter que pensar em como vai repassar esses custos represados na tarifa, porque ao aumentar demais a tarifa, há um impacto também na inflação", revela. Para ele, é urgente revisitar o modelo do setor elétrico, chamando os agentes, como feito pela própria Dilma em 2004, que na época era ministra de Minas e Energia. "Agora é a hora de chamar os agentes novamente para revisitar o modelo", declarou.

Ele diz ainda que o governo terá que monitorar fortemente a crise hídrica e pensar durante as chuvas de verão em iniciativas que possam ajudar na recuperação dos reservatórios. Um eventual incentivo à redução do consumo pode ser uma saída. "Se as chuvas vierem na média a gente passa por 2015, mas com preços altos e despacho térmico elevado", diz. Mikio Kawai Jr., diretor executivo da Safira Energia, também elege a crise hídrica como o principal desafio de Dilma Rousseff no próximo mandato. Ele avalia que serão necessários pelo menos dois anos para que os reservatórios se recuperem.

"Esse período úmido vai ser fundamental. Mas o governo poderia começar a pensar em fazer gestão pela demanda, que é a melhor maneira de enfrentar o problema no curto prazo", analisa. Kawai diz que um eventual racionamento teria um impacto muito grande na economia, que já vem apresentando um crescimento menor que o esperado. "O melhor caminho é estimular a eficiência nas indústrias e nas residências, evitando o desperdício", declara.

Castro, do Gesel, propõe que seja formado um grupo de trabalho ou um comitê com vários especialistas no sentido de construir uma agenda para começar a trabalhar a partir do ano que vem. Ele diz ainda que a crise deverá fortalecer um lado mais técnico e menos político no ministério de Minas e Energia. (Agência Canal Energia)
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