segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Falta de chuvas e aumento da conta de luz preocupam

BRASÍLIA e RIO - A crise no setor elétrico, provocada pela falta de chuvas e por medidas regulatórias que afetaram os custos da energia, é um dos temas que o próximo governo deve enfrentar já no começo do mandato. O setor precisa de investimentos que viabilizem a expansão da geração de energia, após um ano de flerte com o racionamento. É preciso administrar a recomposição das tarifas de energia, que, este ano, já subiram, em média, 34%, mas ainda não absorveram todos os custos bilionários do uso intensivo de térmicas e da compra de energia no mercado de curto prazo.

Com o preço da energia atingindo o teto de R$ 822 em boa parte do primeiro semestre deste ano no mercado de curto prazo, por causa da falta de chuvas, aumentou o risco financeiro dos empreendedores. Em casos de atraso em obra, o investidor tem que comprar energia no mercado de curto prazo para honrar os contratos. E isso acontece, por exemplo, com a usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, que gastou pelo menos R$ 2,6 bilhões com essas compras.

— O acúmulo de mudanças normativas recentes e a falta de chuvas levaram o setor elétrico, muito provavelmente, à situação mais caótica desde o início dos anos 1990 — avalia Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O grande desafio, segundo especialistas, é manter o ritmo de expansão das usinas, sem tornar mais sujo o parque gerador com termelétricas. Num cenário em que o consumo cresce sistematicamente, a despeito da estagnação econômica, é preciso buscar alternativas para destravar grandes obras, como a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, por exemplo.

A Eletrobras encolheu após a edição da Medida Provisória 579 de 2012, que reduziu a receita de empresas do setor para entregar aos consumidores uma energia 20% mais barata, no início de 2013. Desde o fim de 2010, a Eletrobras teve seu valor de mercado reduzido a um terço, em dólares, na Bolsa.

— Nos últimos anos, colocou-se um risco no mercado enorme com tantas medidas para corrigir problemas do passado, e isso afeta até novos empreendimentos, com a insegurança jurídica criada — disse Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora de energia Comerc.

A partir de 2015, o governo adotará bandeiras tarifárias, que devem encarecer a conta de luz por causa da escassez de água nos reservatórios. Conforme esse sistema, os custos extras com geração de energia serão repassados aos consumidores.

Para Fausto Bandeira, consultor para assuntos relacionados à energia elétrica da Câmara dos Deputados, o próximo governante terá de encarar também uma revisão da carga tributária das contas de luz, até para aliviar a tendência de alta das tarifas. Em alguns estados, diz ele, o ICMS cobrado é de até 50% do valor da energia. Mas alterações no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um imposto estadual, dependem de um grande acordo federativo no Congresso.

Segundo os cálculos de associações de distribuidores, transmissores e geradores de energia, o próximo governo herdará um rombo de ao menos R$ 100 bilhões. O valor seria referente ao passivo de mudanças na legislação nos últimos dois anos para baratear a conta de luz, mas que será repassado ao contribuinte a partir do ano que vem. Documento elaborado pelas empresas prevê que, no cenário mais conservador, sejam repassados R$ 80 bilhões para a conta de luz nos próximos cinco anos. O cenário mais realista chega a R$ 100 bilhões.

— O valor é tão expressivo que a solução não é fácil e não é de curto prazo — afirma Alexei Vivan, diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica, acrescentando que a solução dependerá de negociações e do próprio caixa do governo, pois é inviável repassar o custo para o consumidor. — Poderia representar reajustes nas contas de luz por anos e anos acima de 20%, o que não é viável.

MP NA ORIGEM DA CRISE
As empresas apontam que a MP 579, que reduziu as tarifas em 20%, está na origem da crise. As estimativas quanto ao custo para o país, porém, diferem. Nos cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU), a MP gerou custo de R$ 61 bilhões, que foram cobertos pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O valor estimado pelo mercado, porém, é maior que o do TCU porque, além das despesas pagas pela CDE, empresas e associações incluem no impacto na tarifa o cancelamento e fracasso de leilões de energia em 2012, 2013 e 2014, que deixaram as distribuidoras expostas à compra de energia cara no mercado de curto prazo em um ano com poucas chuvas.

— A MP 579 foi um desastre regulatório. Impôs um risco hidrológico ao consumidor e que o governo não consegue administrar — critica Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel).

A falta de uma política que incentive redução do consumo energético também é criticada, assim como a iniciativa de segurar o preço da tarifa justamente em um período de escassez de chuvas, o que aumentou a necessidade de geração térmica.

José Rosenblatt, um dos diretores da PSR Consultoria, diz que R$ 61 bilhões á representam um problema “suficientemente grande” para que sejam tomadas providências no curto prazo. Ele alerta que, mesmo que em 2015 chova moderadamente, haverá problemas de oferta e demanda de energia, o que pode gerar novos reajustes na conta de luz. Para João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia, a primeira coisa a fazer é parar, repensar e não fingir que o problema não existe, além de rezar para chover. (O Globo - 26/10/2014)
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