segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ousadia em leilões pode ter causado falhas

Não são apenas as instalações antigas que estão comprometendo a segurança do sistema nacional de transmissão de energia. O blecaute que atingiu o Norte e o Nordeste entre quinta-feira e ontem ocorreu numa subestação considerada nova. "Às vezes a gente pensa que uma instalação recente dá menos problemas que os velhos. Mas temos visto muitos casos que derrubam essa tese", destaca o diretor executivo da Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), Cesar de Barros Pinto. 


Uma das explicações estaria na elevada competição dos leilões de transmissão. "O regime de concorrência está tão acirrado que se começa a economizar e otimizar os projetos. Reduzem os espaços nas subestações, diminuem o volume de cobre nas instalações e trabalham no limite. O serviço fica pior", argumenta o executivo. 

De fato, boa parte das disputas ocorridas nos últimos anos têm revelado um apetite sem precedentes no setor de transmissão. Na década passada, os espanhóis causaram surpresa ao arrematar lotes de linhas e subestações com deságios de 40%. Depois foram as estatais do Grupo Eletrobrás que irritaram os investidores privados com lances ousados. 

Para alguns especialistas, a conta está sendo paga agora com o aumento dos desligamentos. "O mote de reduzir custos às vezes chega com o sinal trocado. Não se pode reduzir custos comprometendo a qualidade. A recorrência de falhas é um sinal de alerta", avaliou o consultor Eduardo Bernini, sócio da consultoria Tempo Giusto. 

Check-up. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), Sidnei Martini, ex-presidente da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep), o sistema brasileiro precisa passar por um check-up geral, fazer um diagnóstico aprofundado para detectar falhas e permitir a adoção de medidas preventivas. "Além da manutenção, é preciso ir além." 

Ele destaca que o consumo de energia tem crescido gradualmente no Brasil. Com isso, partes do sistema com mais fragilidade podem ter problemas. "É como um carro. Ele tem capacidade para levar cinco pessoas, mas você sempre carrega duas. O dia que você colocar mais duas pessoas, o carro vai sentir." Martini alerta que as empresas de transmissão precisam começar a antecipar os investimentos e melhorias no sistema para suportar o aumento de consumo na época da Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. "A demanda será excepcional, bem maior que a verificada hoje. " 

A sequência de apagões que atingiu o Brasil nas últimas semanas colocou a confiabilidade do sistema nacional, até então considerado robusto e seguro, em xeque. No período de um mês, foram 14 desligamentos (sem considerar o de ontem). No ano, o número já atinge 65 blecautes. 

"O País precisa de renovação e modernização. Dizem que estão fazendo investimentos e que os sensores controlam melhor o sistema. Mas cada vez vemos apagões maiores", destaca o diretor do Departamento de Engenharia Elétrica e Teles do Instituto de Engenharia, Miracyr Assis Marcato. Ele tem razão: em volume de energia desligada, os blecautes do último mês foram 153% maiores que os de 2011. 

Para o diretor da Abrate, uma falha que não deveria ocorrer com tanta frequência é o efeito cascata para todo o sistema nacional. Os equipamentos de proteção deveriam isolar o problema na linha que teve o defeito. "Mas temos percebido que em muitos casos têm havido desligamento em cascata. Se fosse passar um pente fino no sistema, faria isso no ajuste do relé." 

Marcato, do Instituto de Engenharia, destaca ainda que há vários tipos desse equipamento no sistema. Alguns são mais velhos e reagem de forma mais lenta. Outros mais novos, com tecnologia diferente. "Um pode não conversar direito com o outro." (O Estado de S.Paulo)

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