segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Reduzir consumo será mais difícil que em 2001

Empresas de energia altamente endividadas, uma situação hidrológica desfavorável e contas de luz cada vez mais caras. Os efeitos da crise atual ajudam a ilustrar um cenário mais cruel para o consumidor do que o que castigou o país em 2001, ano do racionamento de energia, segundo especialistas do setor.

Em 2001, como existia muito uso ineficiente da energia, a redução foi feita com menos sacrifícios. Agora, será preciso mudar hábitos e diminuir o conforto para minimizar o impacto no bolso. Mesmo assim, a conta de luz não ficará mais barata, diz Erik Eduardo Rego, diretor da consultoria Excelência Energética.

— Do ponto de vista econômico, não foi sofrido. Não houve aumento antes do racionamento. Agora, a previsão de alta é de cerca de 50% antes mesmo de um possível racionamento. Em 2001, além de reduzir o consumo em 20%, havia bônus para quem poupava, e a conta caía mais.

Duas ações ajudaram a reduzir o uso da energia há 14 anos: trocar lâmpadas incandescentes por fluorescentes e desligar o freezer — uma herança da época de hiperinflação, quando as famílias faziam compras de mês.

— Não temos isso hoje. Essas trocas promovidas pelos consumidores naquela época levaram à redução de 20% exigida. Hoje, ninguém tem freezer nem voltou para a incandescente. Em 2001, o governo colocou um bode na sala, e o bode ficou bonito. As pessoas viram que era fácil economizar e gostaram da conta mais barata. O consumo se manteve baixo e só voltou ao que era antes do racionamento em 2005 — explica Rego.

Ao longo desses 14 anos, a renda subiu e mais pessoas passaram a ter eletrodomésticos. Excetuando o ar-condicionado, que consome muito eé o vilão do verão, uma redução no consumo para economizar na tarifa depende da somatória de pequenas mudanças de hábitos. E, mesmo assim, a conta não vai ficar mais barata, devido à alta do custo.

— Para reduzir o consumo, é preciso voltar a usar panela e gás em vez de micro-ondas, pipoqueira, máquina de arroz, cafeteira. Mas isso não gera grande impacto. São ganhos marginais. Não há gordura. Isso vale para indústria e cliente residencial — destaca o especialista.

MESMO CONSUMO, CONTA MAIOR
A pedagoga Marianne Muniz já sente a mudança. Em outubro, ela, o marido e o filho de 2 anos usaram 197 kWh/ mês, pagando R$ 86,31. Em novembro, a família voltou a gastar exatos 197 kWh. Desta vez, a conta foi de R$ 97,36. Em janeiro, quando o consumo saltou para 403 kWh, a conta disparou: R$ 264,21

— Fiquei estarrecida. O luxo foi ligar o ar de 21h às 5h. E meu filho dorme no nosso quarto, no chão. Já uso lâmpadas fluorescentes e acumulo roupa para passar e lavar. O jeito é abrir a janela e ligar o ventilador. Mas vou perder qualidade vida. Uma noite mal dormida é terrível.

A consultora em energia e advogada Elena Landau, do escritório Sérgio Bermudes, afirma que nos últimos dois anos o governo adotou apenas medidas paliativas. Ela ressalta que o governo estimulou o consumidor a usar energia com o crédito para a compra de eletrodomésticos e a redução artificial das tarifas:

— O consumidor adotou novos hábitos e ficou com a sensação de que a energia é de graça. E terá que esperar o impacto da conta mais cara para rever isso — diz Elena, que foi diretora do BNDES durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.

Para Elena, o setor está em situação pior do que em 2001. Se, há 14 anos, os reservatórios estavam em 34%, hoje as usinas estão na faixa dos 18% de capacidade mesmo com as termelétricas (ausentes da matriz em 2001) operando a pleno vapor:

— Há quem veja as termelétricas como algo positivo, mas é uma energia cara. (O Globo - 22/02/15)
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