segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Verão dos 'apaguinhos'

No escuro e no calor
Os problemas no setor elétrico vão além dos que causaram o apagão em 11 estados e no Distrito Federal na última segunda-feira. Há diversos "apaguinhos" sendo sentidos pelo Brasil. São falhas de fornecimento que afetam ruas ou bairros por algumas horas e que atormentam a vida da população. Em geral, as pequenas quedas de eletricidade ocorrem por problemas na distribuição de energia, causada pelo aumento do consumo neste verão sem o devido investimento das empresas, e por problemas meteorológicos. E, ao que tudo indica, há mais "apaguinhos" neste verão que em anos passados, segundo consumidores e especialistas.

No site da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), crescem as queixas de consumidores. Nos primeiros 19 dias de janeiro foram protocoladas 3.293 reclamações, número 68% acima do registrado em dezembro de 2014 (1.955 reclamações) e mais de 10% de todo o ano anterior, que somou 27.727 reclamações. Na média destes primeiros dias de 2015, foram 173,3 reclamações diárias de falta de energia, contra a média de 135,4 de janeiro de 2014, quando as reclamações em todo mês chegaram a 4.197.

Ainda não existem estatísticas oficiais do setor sobre estas falhas menores no fornecimento de energia - há uma defasagem de informações de dois meses -, mas há indicativos de que o problema está se intensificando. Algumas destas informações são calculadas pela própria Aneel. No acumulado de 2014 até outubro, três regiões do país já haviam superado o limite anual de duração de interrupções de fornecimento (DEC, indicador que corresponde ao tempo médio, em horas, que cada residência de uma área ficou sem energia): Sul, Centro-Oeste e Norte. No Sudeste e no Nordeste o número estava muito próximo de ser ultrapassado. A média nacional do indicador ficou em 14,29 em dez meses, contra o limite de 14,47 para todo o ano de 2014.

Assim como ocorreu com o apagão nacional, a falta de energia cada vez mais se concentra no meio da tarde, novo pico de consumo com a onda de calor e o aumento de aparelhos de ar-condicionado. Isso reforça a tese de que há falhas na manutenção das redes, planejadas para outro tipo de consumo. Ainda há falhas de fornecimento causadas por temporais, como ocorreu em São Paulo, com recorde de árvores derrubadas. Mas mesmo em locais onde não chove, os problemas ocorrem.

Duas vezes sem luz em uma semana
Alessandra Castinheiras Ferreira, professora e moradora da Vila Isabel, viveu um destes "apaguinhos" na última quarta-feira. Mesmo sem problemas aparentes, ela ficou sem luz em casa às 16h40, e a energia só voltou às 20h30. A Light informou que foi uma falha num equipamento, sem detalhar as causas. "Presa" com seu filho Arthur Cezar, de 6 anos, no quinto andar sem o elevador do prédio, reclamou:

- A gente tem que ficar abanando a criança neste calor. É muito ruim. Ele está de férias, não pôde jogar video game, a bateria do tablet acabou logo. E tudo isso com esse calor.

O que ela não imaginava é que o drama se repetiria na quinta-feira, quando ficou sem luz das 20h40 às 21h50:

- Fiquei na casa da minha mãe até a energia voltar. Moro no quinto andar.

A Light informou que a segunda falha foi causada pela queda de um galho de árvore na rede da empresa.

O professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, lembra que as empresas não estão com caixa para investir. Depois de um 2014 complicado, quando o governo teve de agir várias vezes para que as contas das distribuidoras fossem fechadas - muitas estavam sem energia contratada para fornecer aos clientes e tiveram que comprar no mercado livre. Com a seca, os preços ficaram quase todo o ano no pico, e os investimentos caíram:

- A perda de qualidade das distribuidoras tem relação direta com os problemas de caixa - disse o professor, que defende um plano de modernização da distribuição, com mais fiação subterrânea. - Os leilões de energia ocorrem com cinco, três anos de antecedência e ninguém em 2010 imaginava que o padrão de consumo se alteraria tanto com a explosão do uso do ar-condicionado.

Para o presidente do instituto Acende Brasil, Claudio Sales, o sistema elétrico precisa contar com uma reserva técnica para atender à demanda, em momentos de emergência, como horários de pico:

- A situação é dramática. Já deveríamos estar discutindo o racionamento.

Sales destaca que a queda dos investimentos em qualidade de serviços é resultado não apenas dos problemas financeiros, agravados pela mudança de regras após a decisão do governo de reduzir a conta de luz a partir de meados de 2012. Ele acrescenta outro elemento de incerteza para as empresas: a renovação de vários contratos de concessão de geração e distribuição, que vencem neste ano. O presidente do Acende Brasil lembra que, de 1996 a 2013, por exemplo, houve um grande ganho na qualidade dos serviços. Os índices do DEC caíram 30% no período, o que significa menor frequência de interrupções no fornecimento de energia.

Para Franklin Miguel, professor do MBA do setor elétrico da Fundação Getulio Vargas (FGV), a saída para a crise é acelerar a conclusão de obras em atraso:

- Não é necessário fazer racionamento. Existe uma grande quantidade de obras em atraso que, se forem concluídas, atenderão essa demanda em horas de pico.

Miguel pondera, porém, que a mudança de regras deixou o setor em situação caótica e que as empresas não têm como buscar financiamento para investir, especialmente depois de terem obtido empréstimos de R$ 17,8 bilhões no ano passado para cobrir os gastos com a compra de energia no mercado de curto prazo.

Paulo Toledo, diretor executivo da Ecom Energia, destaca a mudança do horário de auge do consumo.

- Temos que mudar a cultura do consumo. As bandeiras tarifárias (que elevam o preço da energia no mês em que há muito uso de termelétricas, mais caras) é o começo, mas talvez tenha sido muito brando. Uma solução seria criar o horário de pico residencial e comercial, para fazer com que residências e escritórios pensassem em economizar no meio da tarde.

ar-condicionado sobrecarrega sistema

Allan Blanco, gerente Regional Leste da Light, diz que um dos maiores problemas da distribuidora é, além dos roubos de energia, os aumentos de carga à revelia, quando o consumidor amplia o número de aparelhos elétricos - sobretudo ar-condicionado - o que sobrecarrega o sistema. Como a maior parte dos clientes não pede aumento de carga, o transformador não consegue atender ao mesmo total de clientes, gerando panes e substituições:

- O consumidor não sabe identificar quando precisa pedir aumento de carga. É necessário o parecer de um técnico.

A Ampla, que atende Niterói, São Gonçalo e o interior do Estado, diz que, em 2014, teve de substituir 2 mil transformadores, contra 1.100 em 2013. Em 2015 , 216 transformadores já foram trocados.

A Light respondeu, em nota, que em doze meses até setembro teve queda de 26,2% nos casos de falha de fornecimento em relação a igual período anterior e que trabalha para melhorar a qualidade. A Ampla disse que faz constante manutenção preventiva, investiu R$ 402 milhões nos nove primeiros meses de 2014 e tem adotado a fiação compacta, mais resistente. Procurados, o Ministério de Minas e Energia, a Aneel e a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) não se pronunciaram. (O Globo)
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