segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Sistema elétrico está em situação dramática, diz especialista

Após enfrentar um apagão, o governo precisa criar às pressas um plano para blindar o setor contra novos blecautes. Decretar um racionamento é a solução apontada pelos principais especialistas dos setores elétrico e de abastecimento de água. Com a situação financeira delicada das empresas de geração e distribuição de energia, no entanto, os efeitos podem ser drásticos.

De acordo com Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, que estuda a eficiência do sistema elétrico, o custo de um racionamento só não é maior que o de um corte do abastecimento, como aconteceu na última segunda-feira (19).

Seus efeitos ultrapassam os limites do setor e atingem indústria e comércio e desestimulam investimentos em produção no país.

Por outro lado, sem um plano de ação, os consumidores de energia estão aprendendo a lidar com o problema da pior forma possível.

"O governo vai cobrar uma conta que os consumidores não poderão pagar e desligará a luz quando eles quiserem acendê-la", diz.

O apagão de segunda, possivelmente, diz Sales, foi o primeiro de vários. Basta que o governo continue a enfrentar o problema com medidas paliativas, como a importação de energia da Argentina.

Para Sales, o racionamento, para produzir efeitos menos nocivos sobre a economia, precisa ser uma medida preventiva. "Se não for mais possível produzir energia, não se pode mais falar em racionamento. Sem, energia, não haverá o que racionar."

A seguir, trechos da entrevista à Folha.

APAGÕES - São grandes as possibilidades de que apagões voltem a acontecer no restante do verão. Nos últimos três anos, os recordes de demanda foram em fevereiro, perto de 4% acima dos do ano anterior.

Neste ano, o sistema não conseguiu suportar a demanda já em janeiro e é razoável supor que o recorde de 2015 também seja em fevereiro. Como até lá não entrará nenhuma usina nova em operação, há um grande risco de o sistema não conseguir atender a demanda novamente.

Além disso, é preciso garantir a demanda por todo o ano. O período chuvoso acaba em abril. Particularmente neste ano, com os reservatórios baixos, será muito difícil passar pelo período seco até novembro sem alguns solavancos.

REDUÇÃO DE CONSUMO - Qualquer tragédia dessas [o corte de energia do dia 19] causa um efeito como a redução do consumo. Paga-se, porém, o preço mais alto para promover essa educação. O governo vai cobrar uma conta dos consumidores que eles não poderão pagar e desligará a luz quando eles quiserem acendê-la.

CAUSAS - No apagão da última segunda, não caiu nenhuma torre nem explodiu nenhum transformador em subestação. Se a restrição é inerente ao sistema, não importa se a energia é gerada no Sudeste ou no Nordeste. O importante é que não houve capacidade disponível no momento necessário.

A operação do sistema elétrico só é confortável quando há uma reserva de 5% de potência, a chamada reserva girante. Mas, por causa do baixo nível dos reservatórios e do alto consumo, não existe qualquer reserva.

A importação de energia, como a que está sendo feita da Argentina, não resolve o problema, é um paliativo.

O governo busca em todos os cantos um pouquinho de energia. O setor está tendo que passar o pires para amealhar capacidade adicional. Estamos muito longe da reserva girante que deveríamos ter, de 6.000 MW (megawatts). Seria um sonho se houvesse 3.000 MW disponíveis.

TERMELÉTRICAS - Embora os modelos computacionais do ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] não apontem a necessidade do uso pleno das termelétricas, determinam o despacho de 100% das usinas disponíveis para tentar reservar água nas represas.

O ONS está intervindo na vida das usinas para diminuir o máximo o período de manutenção equipamentos e maximizar o seu uso. Os operadores só estão fazendo a manutenção das usinas quando estão prestes a perder a garantia.

Isso coloca o sistema em uma situação dramática. Se as termelétricas deveriam ajudar a guardar água nos reservatórios, não estão ajudando mais. Mesmo no período úmido, os níveis de água voltaram a cair.

Usando as palavras do ministro [Eduardo Braga, Minas e Energia], nenhuma usina consegue funcionar com os reservatórios a 10% da sua capacidade. Então, quando se chegar mos a esse nível, não terá mais um racionamento a ser decretado. O racionamento é um corte preventivo, o que não seria o caso. As usinas simplesmente não poderiam mais funcionar. Não haverá o que racionar sem energia.

TEMPO PERDIDO - Os problemas teriam sido fortemente mitigados se um racionamento tivesse sido estabelecido em 2014.

Há vários estágios de racionalização e, no setor elétrico principalmente, todos foram descartados. Quando se vai à cadeia de televisão e se explica ao consumidor que a energia está mais barata, há uma sensação de despreocupação.

Em 2012, quando se promoveu um esforço para reduzir em 20% o custo da energia, foi dado um sinal contrário ao que deveria ter sido dado.

Se a sociedade é informada da realidade, de que a energia estava cara, tem outro tipo de comportamento.

RISCOS ECONÔMICOS - Existe uma insegurança absoluta. A primeira questão a ser estudada por empresas estrangeiras que pensam em investir no Brasil é a energia.

Em 2023, que no planejamento de um investimento de longo prazo é um pulo, o Paraguai terá metade da energia de Itaipu disponível. Além de afugentar investimentos, um racionamento traz efeitos negativos imediatos sobre o setor produtivo, que precisa diminuir a produção.

A seca é o único fator que o governo não controla. Todos os outros fatores poderiam ser controlados para evitar uma situação como essa:

Os demorados e inseguros licenciamentos ambientais, os leilões organizados às pressas e com preços não realistas, os sinais de preços equivocados dados aos consumidores, indicando que podem consumir o quanto desejarem de energia.

O racionamento é uma medida de exceção, que tem custos. O custo do racionamento só não é maior do que o custo de ficar sem energia, como aconteceu na segunda (19).

É uma escolha difícil. Após o fim do racionamento de 2001, a demanda voltou abaixo do que antes e levou quase cinco anos para se recuperar. Se um novo racionamento for definido neste ano, é possível que as receitas das empresas de geração e distribuição de energia demorem a se reerguer. (Folha de S.Paulo)
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