terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Novos blecautes devem ocorrer e país volta a temer racionamento

O blecaute controlado ocorrido ontem no sistema elétrico brasileiro não deve ser o único até o fim do verão, quando a demanda por energia atinge picos mais elevados em função das altas temperaturas. O corte no fornecimento de energia a dez Estados mais o Distrito Federal aconteceu depois de o Operador Nacional do Sistema (ONS) ter registrado, semana passada, dois picos de energia.

O operador anteviu que haveria sobrecarga no sistema, podendo causar apagão e, por isso, cortou a carga de algumas distribuidoras para evitar o colapso de todo o fornecimento do país, segundo duas fontes ligadas ao órgão.

A explicação oficial técnica do ONS é que restrições na transferência de energia entre as regiões Norte e Nordeste para o Sudeste aliadas à elevação da demanda no horário de pico provocaram o blecaute. No fim do dia, no entanto, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, afirmou que o problema foi causado por um problema técnico, uma variação de frequência, em uma linha de transmissão de Furnas.

Especialistas e executivos do setor veem no aumento da demanda a causa mais provável. “O problema começou por falta de capacidade de atender a carga do Brasil, pois falta geração para suprir o [horário de] pico do sistema”, disse o executivo de uma distribuidora. Sobre a razão de não terem ocorrido cortes na semana passada, quando o consumo também esteve elevado, a avaliação é de que talvez existisse mais geração disponível (máquinas ou água).

O cenário é pessimista para os próximos meses, na análise de especialistas. Com a geração reserva de energia – que dá segurança ao sistema – muito baixa, o parque gerador brasileiro entrou em 2015 muito dependente de uma chuva que está vindo abaixo do esperado. É o terceiro ano seguido em que são registradas sobrecargas no sistema. Caso os reservatórios cheguem a abril, final do período chuvoso, abaixo dos 38% registrados no mesmo período do ano passado, é grande a possibilidade de que seja necessário adotar um racionamento, já que sistema não terá energia suficiente para atender à demanda corrente se os reservatórios não encherem até abril.

Ontem antes das 15h, houve a perda de geração em 11 usinas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que totalizam 2.200 megawatts (MW). O ONS não informou de quanto foi a carga interrompida, apenas que o corte foi inferior a 5% de toda a carga do sistema. O Valor apurou que o corte solicitado às empresas foi superior 3 mil MW.

Segundo fonte ligada ao órgão elétrico, o ONS detectou que iria haver um problema na produção, o que permitiu que o órgão desse previamente o comando entre as distribuidoras do Sul e Sudeste. “A primeira impressão é que para evitar um desligamento geral, como o de novembro de 2009, eles [ONS] correram com essa ação pontual em cada uma das distribuidoras”. Ainda segundo a fonte, o órgão deve se limitar à explicação técnica. A orientação do governo é tentar separar o corte de carga ocorrido hoje com a grave situação dos reservatórios hidrelétricos e da falta de chuvas. Nessa linha, o ONS vai indicar que o corte de carga não foi “apagão”, por ter sido uma orientação do operador.

As usinas que interromperam o fornecimento ao sistema foram Angra I, Volta Grande, Amador Aguiar II, Sá Carvalho, Guilman Amorim, Canoas II, Viana e Linhares (Sudeste); Cana Brava e São Salvador (Centro-Oeste); e Governador Ney Braga (Sul). O operador marcou para hoje à tarde uma reunião no Rio com os agentes para analisar a ocorrência. Em nota, o operador ressaltou que há “folga de geração” no sistema.

Segundo Mario Veiga, presidente consultoria PSR, a medida precisou ser tomada em função de a capacidade da geração de reserva do sistema ter ficado menor do que o pico de demanda por energia. Desde o ano passado, o ONS definiu em 600 megawatts médios a capacidade de reserva do sistema. O consumo médio nacional, de 86 mil megawatts médios, requer um sistema de reserva de 4,2 mil MW/médios – 5% do consumo total, em métrica adotada internacionalmente. Nos últimos anos, afirma Veiga, o pico de consumo no Brasil em janeiro e fevereiro passou da noite para o meio da tarde, quando há maior uso de aparelhos de ar-condicionado.

O blecaute controlado, como vem acontecendo, é diferente de um apagão, explica o consultor. Quando a demanda é maior que a oferta de energia a frequência do sistema cai, e é preciso forçar uma redução no consumo, já que não há reserva de energia disponível. Os geradores queimam se continuarem operando com a frequência baixa, e foi o que aconteceu ontem, quando a frequência do sistema chegou a 58,6 Hz quando o normal é 60 Hz. “Haveria um colapso total do sistema e para evitar isso o ONS fez um blecaute preventivo”, explica Veiga.

“O ONS tomou uma medida correta, evitou o colapso total da geração. Agora, o que ocorreu não foi inesperado. O governo devia ter estimulado a racionalização de energia ano passado ao invés de diminuir a geração reserva”, disse Veiga.

Caso as chuvas não melhorem de forma sensível o nível dos reservatórios das hidrelétricas, o que daria alguma folga para aumentar a carga de reserva estipulada pelo governo hoje, o sistema não terá mais capacidade de atender à demanda estável. Erik Rego, da consultoria Excelência Energética, lembra que o sistema está operando com toda a capacidade de térmicas. No fim da semana passado, o Custo Marginal de Operação (CMO) – valor necessário para colocar um MWh extra no sistema – estava em R$ 1.402,96, enquanto as térmicas mais caras do país têm custo de R$ 1.200 por MWh. Ao mesmo tempo, a demanda está muito elevada. Na tarde do dia 14, o consumo instantâneo do Sudeste/Centro-Oeste foi de 51,3 mil MW, superando o recorde anterior, de 6 de fevereiro. “Isso deixa o sistema muito sujeito a problemas pontuais”, afirma.

A Thymos Energia manteve a expectativa de risco de racionamento em 40%, mas acredita em novos blecautes por conta da sobrecarga do sistema, disse o presidente da consultoria João Carlos Mello. “Até abril e maio, isso deve voltar a acontecer”.

Eletropaulo, CPFL Energia, Light, Copel, Cemig, Escelsa, CEmat e Enersul estão entre as distribuidoras que tiveram de cortar o abastecimento, com reduções de carga que variaram entre 5% e 12%. (Valor Econômico)
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