quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Luz cada vez mais cara

O ano começa com duas ameaças aos brasileiros: energia mais cara e água escassa. São Pedro deu mostras, no ano passado, de que se depender só dele pode não chover o suficiente para recompor os reservatórios e permitir a geração abundante de energia hidrelétrica, mais barata. Pelo contrário, na disputa pela água para consumo humano ou para produzir eletricidade, a segunda sempre vai sair perdendo e restará às termelétricas fazerem o trabalho sujo, ou seja, garantir energia, ainda que a preços exorbitantes. Portanto, a despeito de o governo seguir na toada de que não serão necessários nem racionamento nem racionalização, a alternativa é uma só: economizar, tanto luz, quanto água.

O governo descarta qualquer forma de racionamento porque não quer admitir que sua intervenção no setor, a partir da Medida Provisória 579, que criou um novo marco regulatório, foi a principal causa do desarranjo que impulsionou a escalada das tarifas. Em 2014, os reajustes foram de 20% em média, mesmo percentual que o governo havia prometido reduzir da conta de luz dos brasileiros. Contudo, algumas distribuidoras foram autorizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a elevar os preços em mais de 30%, sobretudo, as que tinham revisão tarifária no segundo semestre. A falta de chuvas contribuiu para o caos.

Sem a mão divina de São Pedro, que vem sendo econômico desde 2013, os reservatórios de água, principalmente do Sudeste, responsável por 70% da geração de energia hidrelétrica, caíram a níveis mais baixos do que os registrados em 2001, ano do apagão e de racionamento. As termelétricas foram acionadas a todo vapor, produzindo a energia mais cara do mercado, e elevaram a conta de todos os brasileiros.

Para completar, as distribuidoras de energia ficaram descontratadas (não conseguiram comprar energia), porque o governo insistiu em manter preços-teto baixos nos leilões de contratação, afastando o interesse dos agentes do setor em vender energia. Resultado: elas tiveram que se abastecer no mercado de curto prazo, com o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) no teto, que, em 2014, era de R$ 822,83 e foi comercializado por esse valor grande parte do ano. Sem conseguirem fechar os caixas, porque a revisão tarifária só ocorre uma vez por ano, as concessionárias apelaram para o governo, que, numa manobra inédita, conseguiu empréstimos de quase R$ 18 bilhões em bancos, com o compromisso de que os financiamentos seriam pagos pelos consumidores de 2015 a 2017.

Custos extras - Pelos cálculos do gerente de Regulação da Safira Energia, Fábio Cuberos, o pagamento desses empréstimos, que com os juros atinge R$ 26,6 bilhões, começa agora e deve impactar em 2,6% na tarifa. Além disso, o uso das térmicas em 2013 contribuirá para mais 2% de aumento. O sistema de bandeiras tarifárias, que entrou em vigor em 1º de janeiro e que eleva em até R$ 3 a conta por cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos em caso de condições desfavoráveis de geração, agregará mais 7,7%. Se colocarmos na conta a correção da inflação, de 6,5%, os custos dos leilões e o aporte do Tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético, as tarifas devem subir, pelo menos, 24% em 2015, explica.

Cuberos ainda soma outros 6% caso as revisões tarifárias extraordinárias, pedidas pela maioria das distribuidoras do país, sejam aprovadas pela Aneel. Podemos chegar a um reajuste de mais de 30% se o órgão regulador autorizar essas revisões, diz. As concessionárias querem revisões extraordinárias que promovem mais um reajuste, além do que é previsto anualmente porque o dinheiro para cobrir os rombos do setor acabou antes do tempo.

O presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, explica que os empréstimos de R$ 17,7 bilhões não foram suficientes para pagar as operações de curto prazo das empresas de 2014. O dinheiro acabou, o setor teve que injetar R$ 2,1 bilhões, e ainda restam as liquidações de novembro e dezembro, que terão que ser pagas em janeiro e fevereiro. Estimamos essas operações em R$ 3 bilhões, portanto são R$ 5,1 bilhões só de pendências de 2014, diz. A Abradee alega que houve aumento de 46% na energia de Itaipu e que isso também vai encarecer o custo das empresas.

Sem ajuda - Leite indicou ainda que, de acordo com o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não haverá mais aportes do governo na Conta de Desenvolvimento Enérgetico (CDE) e que o país passará a viver um realismo tarifário, ou seja, com todos os custos do setor recaindo sobre as contas de energia. De fato, Levy chegou a afirmar que vai retirar os subsídios e que pretende devolver a CDE para a tarifa de consumo, mesmo com um passivo de R$ 8 bilhões.

Agentes do setor também reclamam que o governo mudou as regras no meio do jogo. Para reduzir o custo às distribuidoras, já que o valor de venda de energia elétrica no mercado a curto prazo bateu todos os recordes em 2014, a Aneel decidiu limitar o chamado PLD em R$ 388/MWh em 2015. Como justificativa, a agência defende que a medida vai reduzir a volatilidade e mitigar o risco financeiro do mercado a curto prazo, beneficiando os consumidores. Isso só afasta empresários e investidores. Ajuda o caixa das distribuidoras, mas não traz nenhum benefício para os consumidores, porque a diferença do valor da energia gerada acima do preço-teto é cobrada na tarifa em forma de encargos, assinala Fábio Cuberos, da Safira Energia. Por conta disso, o último leilão de 2014 só atraiu estatais.

Ao reduzir o teto, o governo reduz também a rentabilidade para os geradores, dificulta novos investimentos e inibe a entrada de novos agentes, sobretudo, de unidades térmicas. Justamente em um momento em que o setor precisa reduzir sua dependência da geração hidrelétrica, pela falta de chuvas e escassez de água. A alta volatilidade dos preços no mercado tem sinalizado a falta de capacidade de resposta por parte das geradoras térmicas, isto é, uma limitação na oferta face à demanda.

Para o especialista em energia do escritório L.O. Baptista-SVMFA, Guilherme Schmidt, os desafios do setor são grandes. Ainda vamos depender de São Pedro em 2015. Vai ser um ano difícil, com térmicas na base, para salvar o máximo de água possível. O risco de racionamento é pequeno, mas depende das respostas dos reservatórios. Eles precisam estar em 40% para enfrentar o período seco, elenca.

O setor elétrico brasileiro necessita de soluções, não apenas conjunturais, apontam os especialistas. Temos que ampliar nossa matriz energética. Se o governo oferecer um preço atrativo, que garanta retorno aos investidores, temos muitos projetos para desenvolver. O carvão está voltando, há energia eólica e a solar, que está entrando bem no mercado. O governo errou ao incentivar o consumo em um momento de pouca oferta. Agora, precisa estimular a maior geração, sugere Schmidt. (Correio Braziliense)
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