segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Risco de apagão na energia, certeza de oscilação na Bolsa

Não bastasse a confusão legada pelas mudanças nas regras de concessão feitas em 2012, o setor elétrico enfrenta este ano uma crise hídrica aguda e a possibilidade de um racionamento, algo que não acontece desde 2001. A situação não passaria despercebida pelos investidores, que já puniram as empresas do setor com a perda de, em média, um quinto do seu valor nos últimos cinco meses. Daqui em diante, analistas preveem intensa volatilidade, que só poderá ser suportada por quem tem alto apetite para risco, além de impactos em papéis de diversos outros setores.

O sinal de alerta soou com mais força em 19 de janeiro, quando um apagão repentino em vários estados fez as ações de geradoras e distribuidoras despencarem, com a CPFL recuando 7,30% naquele pregão. Na semana passada, em relatório enviado a clientes, o banco de investimento Itaú BBA elevou seu cálculo de risco de racionamento de 26% para "preocupantes" 45%, observando que esse número ainda carrega "bastante otimismo." A analista Paula Kovarsky estimou em algo entre 15% e 20% o impacto prolongado de um racionamento no preço dos papéis.

- Grande parte do risco já foi embutido no preço e, em tese, as distribuidoras deveriam sair ilesas de um apagão, já que o contrato de concessão prevê que haja compensação por meio da tarifa na eventualidade de um racionamento, o que aconteceu em 2001. Mas o apagão é algo tão excepcional que não se pode ter certeza se isso valerá - diz Daniel Bermudes, da gestora Quantitas. - Tudo isso se traduz em volatilidade.

menos brilho nos dividendos
Desde seu pico em 2014, no início de setembro, o Índice de Energia Elétrica (IEE) da Bolsa já caiu 21%. As situações mais críticas são de Eletrobras, que recuou 49,6%, seguida por Light (-42,6%), Cemig (-36,8%) e CPFL (-24,5%). As únicas companhias do setor com desempenho positivo no período são a Transmissão Paulista (alta de 15,5%) e a Alupar (bem atrás, com 1,7% de ganho), que atuam no segmento de transmissão de energia. Isso porque, diferentemente dos outros segmentos - geração e distribuição -, elas teriam o caixa pouco afetado por um apagão.

- As transmissoras são remuneradas pela disponibilidade de suas linhas, não pelo volume de transmissão em si. Assim, garantem previsibilidade de receita mesmo em caso de possível racionamento - explica Lucas Marins, da Ativa.

Como a crise atinge diretamente a lucratividade do setor, Marins acredita que essas empresas perderão seu brilho como pródigas distribuidoras de dividendos. Com 12 ações, o setor elétrico tem peso de 30% no Índice Dividendos (Idiv) da Bolsa, que reúne as melhores pagadoras do mercado.

MUDANÇA no HÁBITO DE CONSUMO
Há ainda um complicador que pode prolongar os efeitos: apagões costumam provocar uma mudança nos hábitos de consumo. Depois do racionamento de 2001, os consumidores se acostumaram a gastar menos energia, fazendo com que o patamar de consumo só voltasse aos níveis pré-apagão depois de sete anos.

Mas Roberto Indech, analista da Rico, lembra que a turbulência no setor elétrico vai muito além da crise hídrica. Um deles é o início do pagamento dos R$ 17,8 bilhões emprestados às distribuidoras em 2014, que deve ter impacto direto nas contas de luz. Em cálculo classificado de conservador por muitos analistas, o Banco Central estima que, só este ano, o preço da energia saltará 27,6%. Indech lembra que muita incerteza ronda o processo, uma vez que o governo ainda negocia as condições de pagamento para suavizar o impacto nas contas. Há ainda, este ano, o vencimento de 38 concessões de distribuidoras, o que incluirá a Copel. O da Cemig será no início de 2016.

- Existem outros eventos importantes, como o ciclo de revisão tarifária das distribuidoras e a negociação sobre o pagamento residual de ativos licitados antes dos anos 2000, pela qual a Eletrobras pode acabar sendo beneficiada - diz Indech.

Por isso, a chance de haver oscilações bruscas nos papéis é enorme daqui para frente. Mas Indech alerta que, como as ações já caíram demais nos últimos meses, talvez não seja a melhor opção vendê-los agora. Em compilação de recomendações de analistas feita pela Bloomberg, dez aconselham manter os papéis da Light, enquanto três indicam a venda e outros três, a compra - para a Cemig, o cenário é semelhante. No caso da Eletrobras, sete recomendam a venda, quatro, a manutenção, e apenas dois, a compra.

aposta em transmissoras
Para Marins, se as ações do setor continuarem a cair, o investidor pode ganhar uma boa oportunidade em ações de Taesa e Alupar, por serem transmissoras. O segmento também é o preferido de Indech, da Rico. Além dessas, o analista da Ativa crê que a Equatorial pode trazer bons retornos, mesmo estando no segmento de distribuição.

- A Equatorial pode se revelar uma boa aposta de longo prazo. A companhia comprou a Cemar, no Maranhão, e a Celpa, no Pará, e conseguiu reestruturá-las de forma a dar bons resultados. Como, no apagão de 2001, os consumidores de baixa renda acabaram sendo poupados do racionamento, se isso se repetir este ano a empresa estará bem posicionada por ter muitos clientes nessa categoria - afirma Marins.

Mas mesmo investidores que não detêm papéis de elétricas devem ficar atentos ao cenário. Isso porque um apagão reduz o ritmo da produção e, consequentemente, da economia. O impacto se faria sentir ainda com mais força sobre o setor industrial, sobretudo de bens de capital, siderúrgico e petroquímico - mesmo que muitas dessas companhias gerem sua própria energia. (O Globo)
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