segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Empresas acumulam conta de R$ 70 bi

Atrasos em grandes projetos hidrelétricos, a seca dos últimos dois anos e consequente aumento do acionamento das térmicas e o menor armazenamento das hidrelétricas, além dos efeitos da MP 579, criaram uma conta bilionária para o setor elétrico nos próximos anos. Nas estimativas do consultor João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia, em distribuição, transmissão e geração ela poderá chegar a R$ 70 bilhões. As contas de luz poderão ter um aumento real de 25% nos próximos quatro anos, por conta do estresse financeiro que abate o segmento, uma tarefa complexa que terá impacto sobre a inflação e também pode respingar sobre o Tesouro.

No setor de distribuição, o problema começou no fim de 2012, quando a seca reduziu os reservatórios e fez o despacho térmico saltar de 3,6 mil MW médios para 10 mil MW médios no início de 2013. A energia térmica é mais cara. Seu acionamento é cobrado dos consumidores via tarifa, mas o reajuste delas é anual, o que criou um incômodo nas distribuidoras, cujo contrato de concessão estipula que não pode haver descasamentos de receita que comprometam o equilíbrio econômico financeiro.

Para resolver a questão, o governo editou o decreto 7945, em março de 2013, com um aporte de R$ 9,6 bilhões do Tesouro em um fundo setorial para cobrir a despesa térmica e o risco hidrológico. O compromisso seria repor esses recursos por aumentos tarifários em cinco anos, mas ainda a data do repasse está em aberto.

Em paralelo, a seca do início desse ano se combinou a outro problema: Cesp, Cemig e Copel não aderiram às regras de renovação dos ativos de concessão anunciados pela MP 579, por alegarem que sua remuneração, com a nova regulação, seria insuficiente para cobrir as despesas com seus empreendimentos. Essa decisão, não esperada pelo governo federal, fez com que as distribuidoras ficassem com uma descontratação involuntária de 2 mil MW médios em 2013 e de 2,5 mil MW médios neste ano.

Ao ficarem descontratadas, restou às distribuidoras uma opção: comprar a diferença entre o consumo de energia e o montante contratado no mercado de curto prazo. Mas as escassas chuvas em 2013 e no verão deste ano fizeram com que o preço no curto prazo chegasse ao recorde de R$ 822 o MWh de fevereiro a abril. Isso abriu um rombo bilionário no setor. Para atenuar a situação, o governo liberou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica para financiar R$ 11,2 bilhões no primeiro semestre para o segmento e fechou, recentemente, um novo empréstimo de R$ 6,6 bilhões. Esse montante deve ser pago pelos consumidores na conta de luz nos próximos dois anos.

Em paralelo, o governo realizou, em abril, um leilão de entrega imediata e prazo até dezembro de 2019, para reduzir a exposição das distribuidoras. O certame foi bem sucedido. Estima-se que cerca de 85% da descontratação tenha sido resolvida. No leilão, foram comercializados 2 mil MW a preço médio de R$ 268 o MWh.

O cenário foi aliviado, mas ainda persistem pressões. Uma delas é que tudo indica que as térmicas terão de ficar ligadas ao longo dos próximos meses, porque o nível dos reservatórios deve cair abaixo dos 20% até novembro. “Vejo as térmicas ligadas em 2015 e 2016 para que os reservatórios possam se recompor”, diz João Carlos Mello. O acionamento das térmicas pode pesar nas contas de luz.

O problema não está só na distribuição. A área de transmissão também tem uma conta bilionária. Quando foi editada a MP 579, o governo criou uma regra para aumentar o ressarcimento das transmissoras que aderissem à devolução dos ativos. As empresas então receberiam recursos sobre os ativos amortizados antes de 2000. Estima-se que as transmissoras precisem receber R$ 15 bilhões (Eletrobrás, Cemig e Cteep são três das principais beneficiadas), mas a ginástica para fechar as contas da área fez com que o fundo setorial que iria arcar com essas despesas ficasse com poucos recursos.

A geração também está pressionada. Quando a estiagem chega, as hidrelétricas geram menos energia, pois têm menos água disponível nas turbinas. A geração térmica aumenta. Sempre que a geração das hidrelétricas, fator conhecido como GFS (Generation Scaling Factor), não corresponde a 100% do volume previsto pelo sistema elétrico num determinado mês, as usinas ficam expostas. A diferença precisa ser comprada no mercado de curto prazo, despesa que é rateada entre todas as usinas do país que compõem o chamado MRE (Mecanismo de Realocação de Energia). Diferentemente das distribuidoras, que receberam socorro do governo para cobrir a exposição ao preços spot, as geradoras precisam arcar com a despesa, que não é repassada automaticamente para os consumidores.

A conta da geração pode chegar a R$ 20 bilhões neste ano, segundo Mello. “Uma parte é risco de negócio, outra parte é do governo”, defende o presidente da Associação Brasileiras das Concessionárias de Energia (ABCE). (Valor Econômico)
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