terça-feira, 1 de abril de 2014

Escassez de energia pressiona custos das companhias

A possibilidade de escassez de energia elétrica neste e no próximo ano e o maior acionamento das usinas termelétricas por conta dos reservatórios nos níveis mais baixos desde o racionamento de 2001 deverão ter impacto sobre os custos do insumo no curto, médio e longo prazo, o que pressionará ainda mais os custos das fabricantes de alumínio. Eletrointensiva, a indústria tem na energia um de seus principais custos de produção, respondendo por cerca de 30% da planilha de gastos das empresas. "Esse cenário atual deve contaminar o preço", afirma o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Alumínio (Abal), Adjarma Azevedo.

Hoje os fabricantes de alumínio pagam no Brasil cerca de US$ 72 o MWh, quase o dobro dos US$ 40 o MWh registrados na média mundial do setor (se excluída a China dessa conta, cuja matriz é baseada em carvão, mais caro, a média cai para US$ 28 o MWh). Nada no horizonte indica que esses custos irão cair. Primeiro, o Brasil tem optado por hidrelétricas construídas a fio d´água, em que a capacidade de armazenamento de água para os meses seguintes tem caído.

Estudo da Firjan aponta que, em 2001, a capacidade de regularização dos reservatórios - o quanto de energia o país pode armazenar na forma de água para suprir a demanda deenergia - era de pouco mais de seis meses. Já em 2012, a capacidade de regularização caiu para 4,91 meses. "O Brasil está mais dependente de São Pedro", afirma Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em paralelo à menor capacidade de armazenamento das hidrelétricas, o país foi ganhando desde o fim da década de 1990 um parque térmico, o que faz sua matriz hoje ter cerca de 30% de energia suprida por essas usinas movidas a gás natural ou óleo combustível. A estiagem do início do ano derrubou o nível dos reservatórios, que poderão chegar a abril com menos de 40% de capacidade, menor marca desde 2001.

Isso faz com que as térmicas estejam respondendo por até 30% da energia consumida do país. Ocorre que o preço delas é mais alto. No momento, estão sendo despachadas até usinas cujo custo de geração supera R$ 1000 o MWh, dez vezes acima do preço de uma hidrelétrica. O presidente de uma distribuidora estima que, se as condições de estiagem continuarem ruins, a conta de acionamento das térmicas deverá ficar em R$ 20 bilhões nesse ano. Parte desses recursos deverá vir do Tesouro, outra será repartida pelos consumidores.

Uma saída do governo foi abrir caminho para que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) faça um empréstimo de R$ 8 bilhões. A ideia do governo é que esse empréstimo seja compensado com um aumento de tarifa a partir de 2015, com duração ainda incerta. "Deverá ser repartido entre consumidores livres e cativos", diz o executivo de um grande grupo do setor elétrico.

Outro detalhe preocupa o setor de alumínio, que nos elos iniciais da cadeia é autoprodutor deenergia elétrica, uma forma de reduzir custos. Em março do ano passado, o governo federal editou a resolução número 3 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), mudando a forma como é compartilhado o cálculo do custo de acionamento das térmicas a gás natural. Anteriormente, esse custo era todo do consumidor. Passou a poder ser dividido entre mais elos da cadeia, como autoprodutores, comercializadores, consumidores e geradores. Isso cria preocupações. "Essa resolução é um grande problema, vem sendo discutida pela justiça, mas criou uma conta para os autoprodutores", afirma Azevedo, da Abal.

A possibilidade de racionamento também tem alterado os preços do setor elétrico no médio prazo. No fim de abril, o governo pretende realizar um leilão A-0 com contratos de cinco anos. Executivos do setor elétrico estimam que as usinas hidrelétricas que negociarem cotas deverão vender energia entre R$ 170 a R$ 190 o MWh, enquanto as térmicas poderão sair por preços de cerca de R$ 300 o MWh. Esse cenário pressionará empresas que tiverem de renovar algum contrato entre esse ano e o próximo, além de colocar dúvidas sobre o patamar do preço da energia ao longo dessa década.

Na produção de alumínio primário, em Ouro Preto (MG), a Novelis detém 100% de autoprodução de energia elétrica, enquanto em sua unidade de Pindamonhangaba (SP), cuja capacidade é de 620 mil toneladas de laminados, opera com contratos de médio e longo prazo de fornecimento, sendo que nenhum deles será renegociado no curto prazo.

Mas a possibilidade de que o acréscimo da geração térmica, para poupar o nível dos reservatórios, possa ser repassado às tarifas traz receio de aumento de custos. "Pode haver aumento de preços, para contrabalançar esse susto temos de buscar eficiência energética e reforçar o mantra do aumento de produtividade", afirma Tadeu Nardocci, presidente da empresa. Buscam-se maior automação, revisão de processos, aumento de escala e ampliação da reciclagem.

"Essa ginástica de redução de custos será intensificada e até a estratégia de reciclagem nossa também é importante para a sustentabilidade do negócio no médio e longo prazo", afirma.

A reciclagem ganha espaço no setor. Por consumir apenas 5% de energia elétrica, quando comparado ao processo de produção de metal primário, a reciclagem de 267 mil toneladas de latas gerou economia de 4 mil GWh ao país em 2012 (último dado disponível), número equivalente ao consumo de energia residencial de 6,6 milhões de pessoas, em dois milhões de residências.

Em fevereiro do ano passado, o governo federal anunciou redução das tarifas de energiaelétrica, mas o impacto foi limitado entre os fabricantes de alumínio. No mercado cativo (em que residências e pequeno comércio e indústria compram de distribuidoras regionais), a redução chegou a 28%, enquanto que, para os consumidores livres (grandes indústrias e shoppings), que compram livremente de comercializadoras e geradoras, o impacto foi muito menor. Estima-se que chegou no máximo a 10%.

A queda de preço no mercado livre foi mais baixa que a do cativo. Uma parte da explicação está no fato de que o governo usou a energia dos ativos de concessão de geração que venceriam entre 2013 e 2017 para reduzir a cotação do insumo no mercado cativo. As concessionárias cujos ativos expiravam nesses anos e aceitaram os termos da MP 579 passaram a apenas operar e manter as usinas. Na regulação anterior, vendiam a mais de R$ 90 o MWh e agora terão de aceitar R$ 20 o MWh. (Valor Econômico)
Leia também:
O caos energético de Dilma
Conta de luz deve subir 9,5% este ano
Usina de Três Irmãos vira jogo de 'empurra'
Estatais devem dominar leilão de energia velha A-0