quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Modelo elétrico faz 10 anos longe do ideal e reacende incertezas

O "Novo Modelo do Setor Elétrico" já não tem mais nada de novo. Afinal, a lei 10.848/2004, que instituiu as atuais bases do mercado de energia brasileiro, completará dez anos no dia 15 de março. Muito elogiado pela própria oposição e por investidores na época, o marco regulatório está hoje longe de ser o ideal e reacendeu incertezas, na avaliação de agentes do setor.

O modelo foi desenhado pela equipe energética do governo Lula, comandada pela então ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff e seu secretário-executivo, Maurício Tolmasquim. O objetivo principal era retomar o planejamento e investimentos de longo prazo no setor elétrico, após o racionamento ocorrido em 2001, que pavimentou a derrota política do PSDB nas eleições presidenciais de 2002.

O arcabouço legal foi criado em cima de três pilares: segurança do abastecimento, modicidade tarifária e universalização do serviço de energia. Longe de ser perfeito, o modelo obteve êxito nas três áreas. Mas, talvez, a principal contribuição tenha sido a recuperação da estabilidade regulatória do setor.

Os primeiros sintomas de problemas foram vistos em 2007, quando as distribuidoras perceberam que parte do que era comprado nos leilões de "energia velha" (com contratos para o período 2005-2013) estava sendo renegociado pelas geradoras para o fornecimento no mercado livre após 2013. Eram os primeiros sinais de que poderia haver um rombo na contratação das distribuidoras.

Posteriormente, foi se tornando mais evidente o término do contrato de concessão de um bloco gigantesco de energia de usinas hidrelétricas antigas e da maior parte da rede de transmissão de energia do país, a partir de 2015.

A saída encontrada pelo governo, por meio da Medida Provisória número 579 (transformada na Lei 12.783/2013), já na gestão da presidente Dilma, foi "casar" a prorrogação antecipada das concessões com a recontratação das distribuidoras. Na prática, o governo condicionou que a energia das usinas que tiveram a concessão prorrogada fosse destinada exclusivamente para as distribuidoras.

Faltou, contudo, "combinar com os russos". Como parte das geradoras não aderiram ao processo, principalmente a Cemig, a Cesp e a Copel, o rombo na contratação das distribuidoras continuou.

Desde a publicação da MP 579, o governo vem costurando uma colcha de retalhos regulatória para tentar normalizar o ambiente de negócios do setor. O desafio se tornou tão grande que o governo, por meio do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), criou uma resolução em que até a geradora é obrigada a pagar pelo custo de operação de térmicas. As medidas provocaram a chamada "judicialização do setor" e acordaram as incertezas regulatórias adormecidas pelo "Novo Modelo".

Até o hoje, o governo não obteve êxito nas suas ações pós MP 579 e se deparou com dois anos consecutivos de hidrologia desfavorável, abrindo espaço para o risco de racionamento de energia, o que seria desastroso para um partido político que sempre se orgulhou de ter colocado o setor elétrico no eixo.

Há um desequilíbrio cada vez maior na relação entre modicidade tarifária e segurança do abastecimento. E segundo um ex-executivo do grupo Eletrobras, Dilma "jogou contra ela mesmo". (Valor Econômico)
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