quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Governo afirma que socorro às elétricas deve superar R$ 9 bilhões

Um dia após o apagão que afetou 12 estados de quatro regiões do país, além do Distrito Federal, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse nesta quarta-feira que o governo poderá fazer aportes adicionais na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para evitar uma alta das tarifas de energia no país. O Orçamento de 2014 já prevê um repasse de R$ 9 bilhões do Tesouro Nacional à CDE para subsidiar a desoneração das contas de luz e compensar as distribuidoras pelo uso de energia térmica (que é mais cara que a hidrelétrica).

Mas, diante do forte calor e da baixa capacidade dos reservatórios das usinas hidrelétricas, o setor já prevê que será preciso demandar mais das usinas térmicas esse ano. Assim, se o Tesouro não bancar a conta, as distribuidoras terão que repassar os custos adicionais aos consumidores. Se, por um lado, a medida evitaria uma pressão na inflação, analistas alertam que um volume maior de subsídios pode deteriorar o já complicado quadro fiscal do país. 

— Se for necessário, isso (repasses adicionais à CDE) será feito. Não sabemos em que medida, até porque nós temos que esperar mais um pouco para saber qual é o rumo que a chuva vai tomar, se vai vir mais ou menos. Por enquanto, é um problema de janeiro e fevereiro. Mas estaremos dando cobertura de modo que isso não passe para as tarifas dos consumidores — assegurou Mantega. 

O problema é que a margem do governo para bancar a CDE é pequena. Com a credibilidade da política fiscal abalada, a equipe econômica planeja realizar um superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) maior em 2014 do que em 2013. No ano passado, o esforço fiscal do setor público ficou em 1,9% do PIB. As despesas com a CDE chegaram a R$ 7,8 bilhões.

Assim, um aporte maior que R$ 9 bilhões na CDE torna ainda mais difícil fazer o esforço fiscal desejado. Técnicos da equipe econômica afirmam que, para contornar essa dificuldade, o governo poderia voltar a fazer aportes na CDE sem impactar o primário, como já ocorreu no passado. Em 2013, para poupar as contas públicas, o Tesouro começou a aportar dinheiro na CDE por meio da venda de recebíveis da usina de Itaipu, o que foi apontado pelo mercado como uma manobra pouco transparente do governo na política fiscal. Por isso, afirmam eles, essa não é uma solução que agrada a Mantega.

Medida evita inflação mas tem impacto fiscal
Para o economista Daniel Cunha, da XP Investimentos, com o uso mais intensivo das termelétricas, os repasses à CDE teriam que ser engordados para algo entre R$ 18 e R$ 22 bilhões. Na ponta do lápis, esse gasto extra teria um impacto de 0,2 ponto percentual no superávit primário:

— O governo tem a opção de bancar esse gasto ou repassar Se caísse no colo do consumidor, haveria impacto imediato na inflação na “boca de urna”, já que temos pela frente um ano eleitoral. 

Para o economista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, a promessa de Mantega vai na direção contrária do discurso de austeridade fiscal feito semana passada pela presidente Dilma Rousseff, no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.

— É como se ele dissesse que o governo tem recursos suficientes e vai continuar subsidiando a energia. Se precisar de R$ 10 bilhões, põe R$ 10 bilhões; se precisar de R$ 20 bilhões, põe R$ 20 bilhões. Mas o governo está numa situação em que, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Se fizer o que tem que fazer, que é repassar para as contas o preço real, vai bater na inflação e exigir juros mais altos. Se der mais subsídios, reduz a meta de superávit fiscal ou aumenta o endividamento.

Após o apagão de terça-feira, as ações de empresas do setor elétrico tiveram queda generalizada na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) nesta quarta. Entre as maiores baixas do pregão, ficaram os papéis ordinários (com direito a voto) da Light, com recuo de 3,80% a R$ 17,69, e os papéis preferenciais da Cemig, com baixa de 4% a R$ 12,95. O Ibovespa, principal índice da Bolsa, caiu 0,72%, aos 46.624 pontos. As empresas do setor elétrico já perderam R$ 11,9 bilhões em valor de mercado este ano, segundo a consultoria Economatica. É quase o mesmo que o tombo de R$ 12,6 bilhões registrado em todo ano passado.

Com as poucas chuvas e mais térmicas sendo acionadas, o custo das empresas de energia subiu. O gasto extra semanal das distribuidoras com a compra de energia no mercado livre dobrou de R$ 400 milhões para R$ 800 milhões desde a semana passada, segundo estimativa da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). O preço da energia disparou de R$ 476 para R$ 822,83 por megawatt-hora (MWh), o teto estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A presidente Dilma Rousseff acelerou nos últimos dias a elaboração de um pacote de medidas, principalmente ambientais, para destravar obras do setor elétrico. Em dezembro, 62% das obras de geração estavam com atraso médio de 250 dias e só 29% das obras de transmissão estavam dentro do prazo. O atraso médio dessas linhas, que estão na origem do apagão de terça-feira, é de mais de um ano. Para as subestações, são só 26% das obras no prazo certo.

Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse que o apagão na terça-feira foi um “acidente”, sem relação com o recente aumento do consumo de energia no país. (O Globo)
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