sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Governo admite risco de apagão, mas 'baixíssimo'

BRASÍLIA E RIO - Em nota divulgada durante a reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), o governo afirmou que o fornecimento de energia está garantido em 2014, mas admitiu pela primeira vez que, se a situação dos reservatórios piorar nos próximos meses, existe o risco de desabastecimento, embora considere “baixíssima” a probabilidade de um apagão ocorrer. No início deste mês, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, havia assegurado que o risco de desabastecimento de energia no país era “zero”.

A dificuldade no suprimento de energia em 2014 é admitida, segundo o governo, se “ocorrer uma série de vazões (de água nos reservatórios) pior do que as já registradas”. O comunicado do governo foi redigido durante a reunião do CMSE, que ocorreu ontem na sede do Ministério de Minas e Energia, em Brasília, para discutir as causas do apagão que atingiu 12 estados do país, além do Distrito Federal, na semana passada.

‘Governo precisa torcer por chuvas’ - O texto lido pelo secretário de Energia Elétrica do MME, Ildo Grüdtner, ratifica que “o sistema elétrico está atravessando uma situação conjuntural desfavorável em termos climáticos, em um momento em que o período úmido ainda não está caracterizado, mas dispõe das condições de equilíbrio estrutural necessárias para o abastecimento do país”.

— É saudável o governo reconhecer algum risco, porque dá tempo para se planejar e se proteger, embora as opções fiquem mais escassas a cada dia que passa, e a chuva não ajuda — disse Luiz Barroso, diretor da PSR, consultoria que apontou no início desta semana o risco de 17,5% de haver um desabastecimento. 

Segundo Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), o governo está convergindo para esse discurso técnico do mercado sobre a oferta de energia elétrica.

— Existe um risco maior do que o normal, mas não é situação emergencial. O setor elétrico tradicionalmente convive com um certo risco, mas o governo precisa mesmo torcer pelas chuvas para a situação melhorar.

O governo destacou que, com a capacidade de geração de energia no país, inclusive as expansões previstas para 2014, “o sistema apresenta-se estruturalmente equilibrado, com sobras, em termos de balanço energético, considerando-se tanto o critério probabilístico (riscos anuais de déficit), como as análises com as séries históricas de vazões, para o atendimento de uma carga prevista para 2014 da ordem de 67 mil Megawatts (MW) médios de energia".

Esse critério probabilístico se refere à regra do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) pela qual o sistema é planejado para conviver com um risco de déficit de 5%. A nota do governo informa que há uma sobra de 6.200MW além desse limite.

O CMSE não debateu ontem o apagão de terça-feira passada. A previsão é que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) deverá encerrar apenas hoje o seu relatório sobre o evento.

Falta medida concreta, diz Pinguelli - A nota lida por Grüdtner informou apenas que a malha de transmissão de energia elétrica — onde se deu o problema — “opera dentro de padrões de segurança, tanto nas interligações entre regiões, quanto na malha de atendimento regional, mesmo com os recordes na demanda máxima, por elevação das temperaturas”.

Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ, considerou positiva a postura do governo, ao assumir que a situação está cada vez pior. Pinguelli, porém, lembrou que é preciso que o governo vá além e discuta como seria possível reduzir o consumo de energia.

— O Zimmermann (Márcio Zimmermann, secretário executivo do Ministério de Minas e Energia) já havia falado em uma palestra sobre a necessidade de os consumidores pouparem energia. A questão agora é saber quais sinais o governo pode dar, como um racionamento de energia, para reduzir o consumo, investir em projetos de eficiência energética ou reduzir o desperdício. Mas tem que falar algo concreto — afirmou Pinguelli.

Os riscos no setor - Poucas chuvas: Sem chuvas, o nível dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, responsável por cerca de 70% do abastecimento do país, voltou a cair. Passou de 36,7% para 36,3% entre os dias 11 e 12 deste mês. No Sul, caiu de 46,3% para 45%, assim como no Nordeste, que baixou de 42,6% para 42,5%. 

Calor: O forte calor aumentou o consumo de energia, que bateu recorde no dia 5. Com o nível dos reservatórios baixos, mais térmicas foram acionadas. Anteontem, as hidrelétricas responderam por 66,68% da energia consumida no país. As térmicas ficaram com 17,48%, acima de Itaipu, com 12,40%.

Atraso: Ao menos 17 usinas e obras de aproveitamento hidrelétrico previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ficaram de fora do Plano Decenal de Energia, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), devido a atrasos. Só no papel: Cerca de 15% dos projetos de geração autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não têm previsão para entrar em operação. (O Globo) 
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