quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Apagão ressuscita o risco de racionamento

As elevadas temperaturas registradas em janeiro combinadas à maior estiagem para o mês em 60 anos expuseram ontem as graves deficiências do sistema elétrico nacional e ressuscitaram o pior pesadelo da presidente Dilma Rousseff: a possibilidade de o país anunciar um racionamento de energia no ano que ela tentará a reeleição. Apenas um dia depois de o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmar que o risco de desabastecimento de eletricidade no Brasil era "zero", uma simples falha numa linha de transmissão que liga o Norte ao Sudeste provocou, no início da tarde de ontem, um apagão — o décimo do atual governo —, que deixou 6 milhões de pessoas sem luz em 11 estados das regiões Norte, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Na avaliação de especialistas, o modelo interligado, implantado por Dilma quando ela foi ministra de Minas de Energia, é frágil e está sofrendo com a falta de investimento adequado e de planejamento. Para eles, se a estiagem que assola o país continuar por mais dois meses, há o risco de a população conviver com sucessivos apagões, inclusive durante a Copa do Mundo. No entender dos analistas, ontem, houve um descompasso na distribuição das cargas entre o Norte e o Sul provocado pelo aumento do consumo. Desde 10 de janeiro, a demanda já bateu seis recordes, fruto do excesso de calor. O governo, no entanto, nega que o apagão tenha ocorrido por excesso de demanda.

Se não chover em níveis adequados nas próximas semanas, e o consumo continuar crescente, nas horas mais quentes do dia poderá haver um colapso no Sistema Interligado Nacional (SIN). A exemplo da série de apagões de grandes proporções que vêm atingindo o país desde 2008, os especialistas enxergam crescente fragilidade do setor energético, já que projetos importantes, que ampliariam a oferta de energia, como a Usina de Belo Monte, estão atrasados por má execução. O Plano Decenal de Energia, do próprio governo, prevê a necessidade de investimento médio anual de R$ 26 bilhões até 2022, mas esse valor tem ficado entre R$ 6 bilhões e R$ 10 bilhões por ano.

Desculpas de sempre
Como era de se esperar, para não sacramentar o vexame do ministro de Minas e Energia, o governo tentou minimizar a extensão do primeiro grande blecaute de 2014 e procurou desvincular sua ocorrência do aumento do consumo combinado aos baixos níveis dos reservatórios. Segundo o Operador Nacional do Sistema elétrico (ONS), órgão gestor das instalações de geração e distribuição de energia, chegaram às hidrelétricas do país somente 55% da água das chuvas esperadas para janeiro. Trata-se do menor nível desde 1954.

O acúmulo de problemas coloca em xeque o modelo criado por Dilma, em vigor desde 2003. Curiosamente, apesar de Brasília não ter sido afetada pelo apagão, a presidente despachou ontem no Palácio da Alvorada, residência oficial, devido à manutenção do ar-condicionado de seu gabinete , no Palácio do Planalto.

"O evento ocorrido ontem pode ser considerado de médio porte, pois comprometeu só 8% da carga envolvida. De toda forma, é cedo para avaliar o fato, que ainda será investigado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)", contemporizou o secretário executivo de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. Ele repetiu o discurso de Lobão, para "levar tranquilidade ao mercado e à população", e descartou novos riscos de corte de luz em razão da falta de chuvas e da queda no nível dos reservatórios de hidrelétricas. A torcida, destacou ele, é para que o início do chamado período úmido, no fim de fevereiro, mude a situação.

Para Zimmermann, a falha nada tem a ver com a sobrecarga ao sistema, que está "equilibrado". O secretário também rebateu a aposta de analistas de elevação do risco de racionamento de 5% (média padrão adotada pelo governo) para 20%. "Disseram isso em 2008 e 2012, mas nada ocorreu. Os problemas são conjunturais e não estruturais", discursou.

Conforme o ONS, o acidente, ainda sem causas conhecidas, ocorreu às 14h03, e a chamada "perturbação" no SIN foi detectada entre as cidades de Colinas (TO) e Minaçu (GO), onde está localizada a hidrelétrica de Serra da Mesa. O transtorno interrompeu o fornecimento de aproximadamente 5 mil MW (megawatts) por, pelo menos, 40 minutos. Mas houve cidade em que faltou luz por mais de uma hora. "Para evitar a propagação do evento, desligou-se, automaticamente, o sistema de cargas selecionadas pelos distribuidores locais", assinalou o diretor-geral do órgão, Hermes Chipp. (Correio Braziliense)
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