segunda-feira, 14 de maio de 2012

Decisão da Aneel faz mercado prever menos dividendos de distribuidoras

"Se eles tivessem usado 30% do dividendos em investimentos não teriam redução de tarifa". A frase, do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, tem um destinatário específico, a AES Eletropaulo. Mas foi tomada pelos agentes de mercado como um recado que vai afetar uma fonte de riqueza que liberou a acionistas, entre 2009 e 2011, mais de R$ 33 bilhões. O receio é que as distribuidoras de energia distribuam menos lucros para investir mais e atender à Aneel.

A discussão sobre distribuição de lucros entre empresas distribuidoras de energia ganhou força depois de 10 de abril, quando a Aneel definiu que a AES Eletropaulo teria um corte de 8,81% na tarifa para o ciclo até 2015. Analistas, como Marcos Severine, do Itau BBA, classificaram a decisão da agência reguladora como "dura".

O processo de revisão tarifária é feito pela Aneel para as distribuidoras de energia em ciclos de 3 a 5 anos, em que avalia os investimentos feitos, classifica as despesas que buscaram melhorar os indicadores de qualidade e, em cima desses cálculos, define qual a tarifa base para o ciclo. No caso da AES Eletropaulo, a agência não reconheceu investimentos que superam R$ 1 bilhão. Por isso, a empresa recebeu a imposição de uma tarifa menor.

Nas contas do analista Eduardo Gomide, do HSBC Bank Brasil, o impacto de curto prazo dessa decisão é equivalente a um corte de 68% na geração de caixa da AES Eletropaulo ao longo de 12 meses. Parte desse corte é conjuntural - tem a ver com o fato de a revisão tarifária ter atrasado um ano, gerando a necessidade de devolver a clientes o que foi cobrado a mais desde julho de 2011. Mas parte desse abatimento é estrutural. "Tempos difíceis estão por vir", escreve o analista do HSBC.

Levantamento da Economática mostra que entre 2009 e 2011 a AES Eletropaulo distribuiu a acionistas R$ 3,5 bilhões. A relação entre dividendos e lucro líquido esteve sempre perto dos 100%.

O retrato vale para o segmento quase todo. A CPFL Energia distribuiu no mesmo período R$ 3,9 bilhões, com relação média entre dividendos e lucros da ordem de 95%. No levantamento com 34 empresas de energia - incluindo geradoras e transmissoras - a distribuição de dividendos chegou a R$ 24,8 bilhões em 2010 e 2011, com taxa de retorno medida pelos dividendos da ordem de 5,4 - o maior setorial no país.

"Desde o ano passado eu venho dizendo que essa política de "payout" não vai se sustentar", disse o analista da Votorantim Corretora, Marcio Loureiro. "As distribuidoras estão entrando numa fase de reforçar investimentos por conta de questões como smart grid, em um ambiente de maiores cobranças da Aneel."

A estratégia da AES Eletropaulo para este ano já acena com essa possibilidade. A companhia cortou pela metade a proposta de distribuição de dividendos, retendo metade do lucro em reserva. "Numa revisão tarifária dura você pode fazer ajustes nas três pontas", disse Britaldo Soares, presidente da companhia, referindo-se a cortes que podem atingir dividendos, investimentos e dívida.

O mercado ficou mais cuidadoso também. Desde que a Aneel anunciou a revisão tarifária da AES Eletropaulo, as ações da empresa recuaram 23%. E, Eduardo Gomide, do HSBC, que cortou o preço-alvo do papel de R$ 31 para R$ 25,50, espera mais quedas.

"A nova política da Aneel vai afetar a política de "payout" das distribuidoras", disse o vice-presidente Financeiro e diretor de Relações da Energisa, Maurício Botelho, que comanda cinco distribuidoras. "O mercado vai ficar mais parecido conosco", prevê. A Energisa distribui entre 25% e 50% dos lucros em dividendos.

Mas tem executivo que vai além. "A Aneel estabeleceu parâmetros de custos para investimentos que terão impacto nas tarifas e que vão reduzir não só os dividendos, mas também os investimentos", disse o diretor-presidente das Empresas de Distribuição da Eletrobras, Marcos Aurélio Silva. Todas as seis distribuidoras da Eletrobras têm revisão tarifária em 2013. "Temos o suporte da Eletrobras, que vai ter o impacto também", afirmou.

As distribuidoras listam investimentos como provas de que estão comprometidas com os programas da Aneel de busca por qualidade. A AES Eletropaulo investiu R$ 740 milhões em 2011 e promete desembolsar mais R$ 841 milhões este ano, em um plano de R$ 3,3 bilhões que vai até 2016. No levantamento da Economática - excluindo Eletrobras, que opera com perfil de banco - as empresas de energia investiram R$ 20,7 bilhões em 2011, 21% além de 2010.

A Aneel rebate o discurso de distribuidoras que pedem mais tarifa para investir. "A lógica não é ter mais tarifa para investir", diz Nelson Hubner, da Aneel. "É o oposto: investir mais para ter tarifa".

O diretor-presidente da CPFL, Wilson Ferreira Junior, disse que algumas empresas vão sofrer mais que outras. "A revisão tarifária vai afetar as receitas das distribuidoras porque essa é a lógica do processo, estimular a busca por eficiência", disse. "Como esse é um negócio de escala, as empresas menores vão sofrer mais. Nós temos escala, estamos diversificando e investindo em ganhos de eficiência."

Ferreira Junior calculou em, no máximo, 3% do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações) o impacto que terá no grupo a revisão tarifária a ser proposta pela Aneel neste ano para a controlada CPFL Piratininga, que ocorre agora em junho.

O analista do banco Safra, Sergio Tamachiro, ressalva que as distribuidoras não podem transformar dividendos em investimentos simplesmente. Ele lembra, por exemplo, que o crescimento por aquisições, com a compra de concorrentes, não pode ser feita por lei. As companhias precisam repassar lucros aos acionistas para que esses, por meio de holdings, diversifiquem os ativos. Para ele, políticas agressivas de dividendos vão continuar fazendo parte do segmento de uma maneira geral, independente de ajustes pontuais.

"O crescimento do setor de energia no Brasil é determinado pelo crescimento econômico", diz o gerente de relacionamento Institucional da Economática, Einar Rivero. "Enquanto houver esse vetor vai haver expansão, dividendos e investimento".

A questão é saber como essas partes vão compor o todo - se haverá menos dividendos para reforçar caixa, capacidade de endividamento e investimentos.

"Independentemente do processo de revisão tarifária, vamos sempre olhar a solidez financeira que a gente conquistou", disse a analistas o executivo da AES Eletropaulo, durante a conferência de resultados, antes de o papel da companhia entrar em queda. (Valor Econômico)


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